domingo, 23 de dezembro de 2007

REALIDADE GLOBAL

O mundo quântico parece dotado de uma espécie de qualidade global (também chamado “holismo”) que transcende o tempo. Também parece que transcende o espaço, conforme o seguinte experimento imaginado por Einstein.
Einstein, o mágico da física do século vinte, não estava mais inclinado do que Schrödinger em aceitar que a realidade não é objetiva e que ela não pode existir independentemente de um observador, como Bohr e seus seguidores tinham aceitado. Einstein sentia que a nebulosidade quântica não podia ser inerente a Natureza, mas que ela meramente era o resultado da falta de sofisticação de nossos instrumentos de medida. Um inveterado determinista, ele acreditava firmemente que a realidade era regulada rigidamente por leis causais, e não casualmente pelas leis do acaso e da probabilidade. O mundo tinha que se assemelhar a um circuito de piscina, não um jogo de roleta.
Einstein não gastou muito esforço para procurar uma brecha na teoria quântica. Ele tentou incansavelmente fazer brotar cenários provando que uma interpretação probabilística da realidade subjetiva levava somente a absurdos. Por muito tempo, ele imaginou um número de situações que ele sentia que expunha a fraqueza da mecânica quântica. Porém Bohr sempre manejou rechaçá-las. Colocado em cheque, Einstein eventualmente desistiu de seu intento de provar que a mecânica quântica era falha, concentrando-se em vez disso num objetivo mais modesto para mostrar que ela era incompleta, e falhava em dar uma descrição compreensiva da realidade. Em 1935, ele e seus co-autores Nathan Rose e Boris Podolski criaram a seguinte experiência de pensamento, comumente referida com “experimento EPR” com as iniciais dos seus autores.
Considere, afirmavam eles, uma partícula decaindo espontaneamente em dois grãos de luz denotados por A e B. Devido a simetria, eles devem voar em direções diametralmente opostas. Para verificarmos isso é só desenvolver instrumentos de medida. Se A vai para oeste, detectamos B indo para leste. Até agora, nada parece fora do comum. Mas isso não leva em consideração as peculiaridades da mecânica quântica. Antes de ser detectada, A exibia o comportamento de uma onda, não uma partícula. Mas uma onda não é localizada, e A tem uma probabilidade não nula de ir em qualquer direção. Somente após ela ter sido detectada A se metamorfoseia numa partícula e “aprende” que estava se propagando para oeste. Mas se A não “sabia” antes da hora qual direção tomar antes de ser detectada, como poderia B “antecipar” o comportamento de A e ajustar seu próprio comportamento consequentemente de modo a ser detectada no mesmo momento na direção oposta? Isto não faz nenhum sentido, a não ser que A pudesse comunicar instantaneamente sua direção a B, mas isso violaria a teoria da relatividade, a qual impede que sinais viagem mais rápido do que a velocidade da luz. “Deus não envia sinais telepáticos”, argüia Einstein. Ele descreveu o conceito de comunicação instantânea depreciativamente como “ação fantasma a distância”, e concluiu que a mecânica quântica não fornece uma descrição completa da realidade. De acordo com Einstein, antes de se separar de B, A tinha já de saber qual direção devia tomar e de algum modo partilhar essa informação com B. A tinha uma realidade objetiva que de nenhum modo dependeria do fato de que mais tarde seria registrada pelo detector localizado a oeste. Essa realidade certa e determinista estava meramente “escondida” atrás da aparência da incerteza quântica e indeterminista (os físicos se referem a este ponto de vista como “teoria das variáveis escondidas”, sendo as variáveis em questão a posição e a velocidade de uma partícula).
Infelizmente, Einstein estava errado. O físico francês Alain Aspect da Universidade de Paris conduziu em 1980 uma série de experimentos com pares de fótons a fim de verificar a validade da hipótese EPR. Seus resultados validaram consistentemente a mecânica quântica. Não havia de fato “variáveis escondidas.” As falhas tão procuradas desesperadamente por Einstein na teoria permaneciam faltando claramente.
Se assim é, como se explica o fato de que B sempre parece conhecer instantaneamente o que A está fazendo? Isto constitui um problema somente se insistimos que a realidade é fragmentada e localizada em cada partícula. A dificuldade desaparece se estamos dispostos a aceitar que A e B são parte de uma realidade global. Não há necessidade para A enviar a B sinais que viajam mais rápidos que a luz, porque os dois quanta de luz estão em constante contacto através de alguma interação misteriosa. A realidade quântica despacha qualquer noção de localização. Os conceitos de “aqui” e “lá” se tornam sem sentido, pois “aqui” é idêntico a “lá”. O universo é um imenso sistema de partículas que interagem entre si. A mecânica quântica já tinha conferido um caráter holístico no tempo. Agora ela faz o mesmo com o espaço.

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