O OBSERVADOR CRIA A REALIDADE
(Extraído de Chãos and Harmony, de Trinh Xuan Thuan, professor de Astronomia da University of Virginia-USA)
Em experimentos envolvendo feixes de elétrons que passam através de duas fendas paralelas, não temos nenhuma maneira de dizer em qual das fendas os elétrons passaram. Estamos sempre obrigados a falar em termos de probabilidades, ou, como dizia Einstein, a “jogar dados.” Você pode retorquir que tudo o que se tem a fazer é colocar alguns detectores exatamente atrás de cada fenda para monitorar a passagem dos elétrons. Mas o próprio ato de espiar perturba o sistema de modo que não podemos ter acesso à realidade de como era esta antes de uma observação. Desde que não a observemos, uma partícula subatômica pode estar aqui, acolá, e em toda parte. Ela se reveste de seu caráter ondulatório; as ondas se somam ou se cancelam, e franjas de interferência aparecem sobre a tela que está atrás das fendas. É somente quando tentamos observa-la que a partícula decide estar ou aqui ou ali, que se materializa como uma partícula, e as franjas de interferência desaparecem. Em outras palavras, é se observando que se cria a realidade. Antes da observação, os elétrons se comportam como uma onda e permanecem pura potencialidade. Esta potencialidade se torna realidade somente após a observação. Enquanto para Laplace o mundo era uma máquina bem afinada que se mantinha funcionando por si mesma sem qualquer intervenção divina ou humana, a mecânica quântica reinstalou o observador ao seu status proeminente. De certo modo, o mundo externo é definido pelas questões que indagamos a nós mesmos a respeito dele.
Se o papel do observador é tão importante para cristalizar a realidade no nível subatômico, é também verdade para a vida diária? Os elementos da realidade que percebemos em volta de nós enquanto caminhamos para nossas atividades diárias – um cacho de flores multicoloridas, uma avenida bem arborizada, uma mesa com papéis desordenados – dependem também do observador? Eles não têm uma existência própria? Só vemos a Lua quando olhamos para ela? Uma árvores que cai na floresta não faz nenhum barulho se não tem ninguém para ouvi-lo? Devemos abandonar a objetividade do mundo, a idéia de que ele existe independentemente de nós, se o observamos ou não?
Todas essas perguntas são legítimas, dado o fato de que todas as coisas ordinárias da vida são também feitas de átomos. Se a realidade no mundo subatômico é tão subjetiva, por que ela seria diferente para as pessoas e objetos em volta de nós? Sabemos bem que nosso comportamento está apto a ser afetado por alguém que olha por trás de nós. Agimos de um modo diferente quando estamos sozinhos, e quando alguém está nos observando. Os indígenas modificam seu comportamento de uma maneira súbita a partir do momento em que um antropologista desembarca de uma canoa para estudá-los. Não há dúvida que a observação pode influenciar a psicologia humana. O problema é se ela também pode alterar a realidade da vida diária.
Erwin Schrodinger, que inventou a função de onda que descreve todas as potencialidades de uma partícula elementar – isto é, todos os seus possíveis movimentos e posições – resistiu em aceitar que a realidade não seria independente de qualquer observação. Ele se sentiu tão agitado com as propriedades bizarras da mecânica quântica que certa vez ele vociferou para Bohr: “Eu sinto muito me ter envolvido com teoria quântica.” Para demonstrar que a interpretação probabilística da realidade leva a uma espécie de situação paradoxal, ele imaginou o seguinte cenário. Fechar um gato dentro de uma caixa que contém um frasco de cianeto. Suspenso sobre o frasco está um martelo controlado por uma substância radioativa, que é um material que decai expontaneamente após certo tempo. A partir do momento do primeiro decaimento o martelo baixa e quebra o frasco; o veneno é então liberado e o gato morre. Até agora tudo parece sem contradição. Contudo, as coisas começam a ficar loucas, a partir do momento que tentamos prever o destino do gato. A mecânica quântica nos diz que não podemos saber precisamente quando o primeiro decaimento ocorrerá. Podemos descrever a situação somente em termos de probabilidade. Por exemplo, em uma hora de experimento, existe uma chance de 50 por cento de que o núcleo tenha decaído e que o gato esteja morto. Mas também existe uma chance de 50 por cento de que nada tenha ocorrido e que o gato permanece vivo. Desde que não abramos a porta da caixa para ver o que ocorreu, o melhor que podemos dizer é que o estado do felino é uma combinação de 50 por cento de gato morto e 50 por cento de gato vivo. Isso significa que podemos manufaturar gatos que estão vivos e mortos ao mesmo tempo? Naturalmente que não. No momento em que você abre a porta e olha para dentro, você verá um gato que está ou morto ou vivo, porém certamente não suspenso entre esses dois estados. É como se a Natureza esperasse por um observador antes de decidir entre as duas alternativas. Mas o que acontece dentro quando ninguém está olhando?
Schrodinger imaginou a história do gato para ilustrar como uma interpretação probabilística da mecânica quântica pode conduzir a conclusões estranhas, senão manifesto absurdos. Contudo ele estava realmente se engajando numa batalha perdida, pois a mecânica quântica continuou a fazer um sucesso atrás do outro ao elucidar o comportamento de átomos.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
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